Texto para as questões 1 e 2 (adaptado)
1 Poucos depoimentos eu tenho lido mais emocionantes que o artigo-reportagem de Oscar Niemeyer sobre sua experiência em Brasília. Para quem conhece apenas o arquiteto, o artigo poderá passar por uma defesa em causa própria , o revide normal de um pai que sai de sua mansidão costumeira para ir brigar por um filho em quem querem bater. Mas, para quem conhece o homem, o artigo assume proporções dramáticas. Pois Oscar é não só o avesso do causídico, como um dos seres mais antiautopromocionais que já conheci em minha vida.
8 Sua modéstia não é, como de comum, uma forma infame de vaidade. Ela não tem nada a ver com o conhecimento realista ? que Oscar tem ? de seu valor profissional e de suas possibilidades. É a modéstia dos criadores verdadeiramente integrados com a vida, dos que sabem que não há tempo a perder, é preciso construir a beleza e a felicidade no mundo, por isso mesmo que, no indivíduo, é tudo tão frágil e precário.
14 Oscar não acredita em Papai do Céu, nem que estará um dia construindo brasílias angélicas nas verdes pastagens do Paraíso. Põe ele, como um verdadeiro homem, a felicidade do seu semelhante no aproveitamento das pastagens verdes da Terra; no exemplo do trabalho para o bem comum e na criação de condições urbanas e rurais, em estreita intercorrência, que estimulem e desenvolvam este nobre fim: fazer o homem feliz dentro do curto prazo que lhe foi dado para viver.
20 Eu acredito também nisso, e quando vejo aquilo em que creio refletido num depoimento como o de Oscar Niemeyer, velho e querido amigo, como não me emocionar?
Vinicius de Moraes. Para viver um grande amo
RJ: J. Olympio, 1982, p. 134-5 (com adaptações)
Questão 1
Julgue (C ou E) os itens a seguir, relativos às estruturas linguísticas do texto.
1 ( ) Ao empregar as expressões “Papai do Céu” (L.14) e “verdes pastagens do Paraíso” (L.15), o autor do texto demonstra neutralidade em relação ao universo de crenças que elas representam.
2 ( ) emprego de adjetivos no grau superlativo absoluto, como “mais emocionantes” (L.1), “mais antiautopromocionais” (L.6), “tão frágil e precário” (L.12, 13), produz o efeito de exaltação da superioridade dos atributos técnico e criativo de Oscar Niemeyer em relação a outros brasileiros notáveis.
3 ( ) O uso da expressão “mais antiautopromocionais” indica a opção do autor do texto por forma prolixa, dada a presença de dois prefixos no vocábulo adjetivo, em detrimento da concisão que seria proporcionada pela escolha da forma equivalente menos autopromocional, a qual manteria o efeito retórico desejado.
4 ( ) No texto, a linguagem foi empregada predominantemente em suas funções emotiva e poética.
1- E. “Papai do Céu” faz referência a um deus masculino, próprio da cultura judaico-cristã, e “verdes pastagens do Paraíso” é uma expressão que, com tal descrição, remete também a um local crido principalmente pelos cristãos, dessa maneira percebemos que não há uma neutralidade em relação ao universo de crenças que essas expressões representam.
2- E. As duas primeiras estruturas são próprias do grau “comparativo “de superioridade; a terceira, de igualdade.
3- E. Diferente do que diz o comentário da alternativa, haverá patente mudança de sentido, pois a relação de intensidade estabelecida pelos advérbios de intensidade “mais” e “menos” é outra, além disso, o prefixo “anti” modifica o sentido do vocábulo “autopromocionais”, o que não ocorre na tal forma equivalente proposta pela banca.
4- C. A função emotiva é marcada pelos verbos e pronomes de 1ª pessoa do singular/plural, e isto ocorre nestas passagens: “Poucos depoimentos eu tenho lido.../ ... que já conheci em minha vida/ Eu acredito também nisso, e quando vejo aquilo em que creio refletido num depoimento como o de Oscar Niemeyer, velho e querido amigo, como não me emocionar?”; a função poética está centrada na maneira como o discurso é construído, principalmente recheado de recursos estilísticos (... o artigo poderá passar por uma defesa em causa própria / o revide normal de um pai que sai de sua mansidão costumeira para ir brigar por um filho em quem querem bater./... Oscar é não só o avesso do causídico/ Oscar não acredita em Papai do Céu, nem que estará um dia construindo brasílias angélicas nas verdes pastagens do Paraíso)
Questão 2
Acerca dos mecanismos de coesão empregados no texto, julgue (C ou E) os itens subsequentes.
1 ( ) A elipse em “nem que estará” (L.14) e o emprego do pronome anafórico “ele” (L.15) são mecanismos de coesão utilizados para referenciar o substantivo “Oscar” (L.14).
2 ( ) Na linha 3, o vocábulo “arquiteto” retoma por substituição o nome próprio “Oscar Niemeyer”, empregado na linha 2, mecanismo que corresponde a uma variedade de metonímia e por meio do qual se evita a repetição de vocábulo.
3 ( ) O período que finaliza o primeiro parágrafo está na ordem inversa, como indica o emprego inicial da conjunção “Pois”, que introduz uma oração subordinada anteposta à oração principal.
4 ( ) Dada a propriedade que assume o pronome”este” nos mecanismos coesivos empregados no trecho “que estimulem e desenvolvam este nobre fim” (L.18), não é facultada a seguinte reescrita: que estimulem este nobre fim e o desenvolvam.
1- C. A elipse do sujeito (sujeito oculto) do verbo “estará”é facilmente percebida, pois logo na oração anterior o sujeito Oscar está explícito; não há outro elemento a ser retomado senão Oscar, que vem antes do seu substituto “ele”.
2- E. Não ocorre metonímia, mas sim hiperonímia. A palavra arquiteto tem um sentido abrangente, que engloba o (arquiteto) Oscar Niemeyer, portanto é um hiperônimo, não uma metonímia, em que se substitui a parte pelo todo (ou vice-versa).
3- E. Não há inversão sintática dos termos, pois o sujeito explícito vem antes do verbo de ligação, que, por sua vez, vem antes do seu predicativo; além disso, o conectivo “pois” é uma conjunção coordenativa explicativa, não estabelecendo relação alguma de causa, tampouco de subordinação, senão coordenação.
4- C. A reescrita é desnecessária, pois o “este”, como parte do complemento de ambos os verbos do trecho, e de valor catafórico, dispensa o uso de outro pronome (o oblíquo átono “o” como complemento de um dos verbos do trecho. Vinicius de Moraes primou pela concisão adequadamente.
Texto para a questão 3 (adaptada)
CARTA PARA ANTONIO CARLOS JOBIM
Porto do Havre [França], 7 de setembro de 1964
Tomzinho querido,
1 Estou aqui num quarto de hotel que dá para uma praça que dá para toda a solidão do mundo. São dez horas da noite e não se vê viv?alma. Meu navio só sai amanhã à tarde, e é impossível alguém estar mais triste do que eu. E, como sempre nestas horas, escrevo para você cartas que nunca mando.
5 Deixei Paris para trás com a saudade de um ano de amor, e pela frente tenho o Brasil, que é uma paixão permanente em minha vida de constante exilado. A coisa ruim é que hoje é 7 de setembro, a data nacional, e eu sei que em nossa embaixada há uma festa que me cairia muito bem, com o Baden Powell mandando brasa no violão. Há pouco telefonei para lá, para cumprimentar o embaixador, e veio todo mundo ao telefone.
11 Você já passou um 7 de setembro, Tomzinho, sozinho, num porto estrangeiro, numa noite sem qualquer perspectiva? É fogo, maestro!
Vinicius de Moraes. Querido poeta. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003, organização de Ruy Castro, p. 303-4 (com adaptações).
Julgue (C ou E) os itens seguintes, relativos às ideias do texto acima.
1 ( ) Pelo emprego da expressão “todo mundo” (L.9), pressupõe-se que, além do embaixador, outros amigos e colegas de trabalho de Vinicius de Moraes, sem que se possa saber quantos, telefonaram-lhe do Brasil.
2 ( ) Infere-se da carta de Vinicius de Moraes a Antonio Carlos Jobim que o poeta brasileiro, também diplomata, estava em missão profissional na cidade do Havre por ocasião de uma data nacional brasileira, embora manifestasse preferência por estar em outro lugar.
3 ( ) Na carta a Antonio Carlos Jobim, a menção a correspondências que nunca eram enviadas sugere que havia temas confidenciais que só poderiam ser tratados pelo remetente e pelo destinatário da carta de 7 de setembro de 1964 em encontro pessoal.
4 ( ) O emprego, no texto, das expressões coloquiais “cairia muito bem” (L.8) e “mandando brasa” (L.8) indica a informalidade com que Vinicius de Moraes escreve a seu destinatário.
1- E. Vinicius de Moraes faz a ligação para o embaixador e não o contrário, logo “todo mundo” se refere a pessoas que falaram com o poeta, após este ter ligado para o Brasil.
2- E. Não há nenhum vestígio no texto que sugira alguma missão profissional, tampouco que ele estivesse na cidade do Havre devido à data de 7 de setembro.
3- E. Não podemos extrapolar a leitura do texto, como se pudéssemos adivinhar o porquê das cartas não enviadas, portanto seria um disparate dizer que tais cartas continham temas confidenciais.
4- C. As expressões coloquiais estão adequadas à situação comunicativa, pois ambos eram queridos amigos, logo não havia motivo de formalidade no registro escrito.
Aquele abraço!
Fonte