Democracia e governabilidade
Cada vez mais o Legislativo brasileiro está subordinado ao Executivo e faz o que o governo quer. Muitos analistas dizem que, para o avanço da democracia em nosso país, deveria ser o contrário: o Legislativo deveria exercer maior controle sobre o Executivo, limitando e controlando seus poderes, com base nas regras definidas pela Constituição e na defesa do interesse público.
Essa dependência entre poderes que deveriam ser autônomos cresceu nos últimos anos. E não parece ter ocorrido a formação de um bloco de poder constituído para a defesa de um programa político, algo que configurasse uma hegemonia tal que permitiria grandes mudanças como as reformas de base − agrária, tributária, política − de que o país tanto necessita para reduzir as desigualdades.
A lógica da qual parte o Executivo, de garantir a governabilidade e, portanto, assegurar a maioria no Congresso, juntou partidos e posições que a rigor estão em campos antagônicos.
Manter essa base parlamentar fiel ao Executivo significa administrar demandas de interesses em conflito, como é o que ocorre hoje com a votação do Código Florestal.
Lançando mão de práticas de mobilização social apoiadas por muitos recursos, no dia 5 de abril, mais de 20 mil pessoas participaram de manifestações em Brasília, lideradas pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso, contando com o apoio das federações agrícolas de todo o país, para pressionar o Congresso pela mudança no Código Florestal. Elas querem derrubar as restrições ao desmatamento, pouco importando o que significa para a ecologia e para a sociedade brasileira transformar tudo em pasto ou em campos de monocultura extensiva.
Uma semana depois, cerca de 3 mil pequenos produtores rurais, principalmente agricultores familiares, estiveram também em Brasília, pressionando o Congresso pela rejeição ao projeto de lei do deputado Aldo Rebelo que muda o Código Florestal.
O poder de fogo do agronegócio, com forte apoio da grande mídia brasileira, tende a pesar mais na balança da busca da governabilidade que a defesa do meio ambiente que fazem os milhões de pequenos agricultores representados por aqueles que conseguiram se mobilizar e foram a Brasília no dia 10 de abril. E, nessa lógica de preservação da governabilidade, as negociações em torno da aprovação ou rejeição do Código Florestal tendem a favorecer a bancada ruralista e o agronegócio.
Segundo cálculos do Diap,1 o Executivo conta hoje com uma base parlamentar na Câmara dos Deputados de 401 deputados, e a oposição, de apenas 112. No Senado, a relação é de 62 para 19. Essa maioria asseguraria até a promoção de grandes reformas constitucionais, se estas estivessem na mira do Executivo.
Mas os prognósticos são outros. O Executivo parece disposto a poucas mudanças, para não desarranjar essa maioria em que cabem tanto a esquerda quanto a direita, tanto a defesa dos interesses públicos quanto o favorecimento dos interesses das grandes empresas.
No jogo de pressões que é a política, parece que a direita que está na base parlamentar do governo vai ganhando espaços, sem que outras forças sociais tenham a capacidade de se contrapor a esse avanço. Por essa lógica, não será a oposição conservadora do PSDB e do DEM que dará o tom aos debates no Congresso − esses partidos vivem a maior crise de sua história,não têm programas, não têm projetos, não são capazes de fazer oposição, especialmente neste momento particular em que a economia brasileira cresce e o emprego se expande. A verdadeira oposição vem de dentro da aliança que compõe a maioria, travestida de base de governo, que disputa com unhas e dentes mudanças nas políticas públicas que favoreçam seus negócios.
Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.
Ver artigo de Antônio Augusto de Queiroz, nas páginas 4 e 5 , desta edição.
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